quarta-feira, 3 de julho de 2013

Porque Marchamos ?

MARCHANDO CONTRA A VIOLÊNCIA E EXCLUSÃO*


Mulheres, nós precisamos mudar as palavras! Criar nossas próprias narrativas! É preciso que a memória coletiva das mulheres violentadas, seja de modo simbólico, físico ou ficcional, seja escrita para que não se apague da história a grande catástrofe causada pelo patriarcado. Vamos criar nossas próprias ficções, como propõe a bióloga feminista Donna Haraway.
Não vamos ser reduzidas a carnes e pactuar do derramamento de outros sangues: das crianças, idos@s e animais (para não esquecermos de Carol Adams). As narrativas feministas no Brasil estão por serem contadas e reinventadas, pois, nos foram roubadas algumas páginas de nossa história, como por exemplo, o desaparecimento das obras de Maria Lacerda de Moura. Essa educadora, escritora e ativista feminista teria desaparecido não fosse o esforço de algumas feministas como Margareth Rago.
Teóricas feministas brasileiras contemporâneas como Margareth Rago, Tânia Navarro-Swain, Raquel Soihet escrevem e orientam teses, como a da companheira maringaense Célia Selem, que escreveu sobre a filmografia feminista e feita por mulheres na América Latina, lembrando a necessidade de empoderamento e de práticas propositivas para as mulheres, seja no campo da Educação, da Ciência ou das Artes.
O que mostram e o que narram, quais vozes nos parecem familiares nos filmes recuperados pela tese da Célia Selem? Mesmo estando em locais diferentes com idiomas distintos o que os filmes apresentam de semelhanças? As crianças capturadas para a INDÚSTRIA da prostituição?
Vejam os dois últimos livros de Beatriz Preciado: “Pornotopía, arquitectura y sexualidad em Plyboy” e “Testo Yonqui”. Ambos dialogam com as teorias feministas para discutir o local do corpo feminino nas práticas sociais. No primeiro, a emergência da indústria do sexo e suas mutações para acompanhar o valor de mercado irmanado às práticas clandestinas de tráfico de drogas e de corpo nas zonas fronteiriças. A violência contra as mulheres se faz de modos sempre renovados, ressemantizados e com ares de negociação social.
A violência física, reforçada pela violência verbal, como por exemplo, o insulto, a injuria, a fixidez de uma identidade é o redemoinho que trouxe o Movimento Internacional da Marcha das Vadias para o centro dos grandes movimentos urbanos por direitos sociais. Um levante feminista, de mulheres e pessoas contra a violência sexista com a dimensão das Marchas das Vadias significa que a violência está acontecendo em grande escala, não fosse isso, não haveria por que protestar.
Vadia é a reapropriação de um insulto. Guacira Lopes Louro, educadora feminista, diz isso sobre a palavra queer, como propõem as teorias sobre sexo, sexualidade e gênero e os movimentos LGBT. A palavra vadia é usada para insultar as mulheres, principalmente quando estamos em uma situação contrária aquela preconizada pela classe dos homens, vale lembrar Gayle Rubin, ou ler a entrevista dela com Judith Butler. Tomar as palavras para ironizar é o que Linda Hucheton nomeia de “Política da Ironia”.
Quantas aqui já sofreram um tipo de violência física porque estavam em situação socialmente construída para excluí-las do espaço social? Quantas andando pela rua para cumprirem suas jornadas de estudo ou trabalho levaram uma mãozada na bunda, nos peitos, na chana?
A palavra chana, no Brasil ganhou dimensão política no período de lutas anti-ditadura militar. Na década de 1980, uma das mais difíceis para quem era uma lesbiana em São Paulo ou Rio de Janeiro, tinha uma ação policial chamada Operação Sapatão. Daí um grupo muito ousado, de jovens feministas, algumas como a militante anti-ditadura militar, a Roseli Roth, criaram o Grupo de Ação Lésbico-Feminista - GALF que criou o Jornal e depois o Boletim “ChanaComChana”.
Essa turma de jovens feministas era muito ousada para época, era linda e revolucionária, criou um material que dialogava com as escritas e ativistas feministas de vários locais do mundo. Então falar em “ChanaComChana” era uma afronta para uma sociedade heteronormativa que ainda representa a lesbiana como MULHER FEIA, solteirona, mulher que ninguém quer, sapatona, mulher-macho, virada, virago e muitos outros Nomes dessa Coisa chamada LESBOFOBIA, de mais essa mulher coisificada. Enfim, mais uma violência sexista gerada pela incapacidade da sociedade heterormativa (termo wittiguiano) em aceitar a existência de relações em que a presença de um homem seja insignificante ou recusada.
Para a feminista francesa, escritora e roteirista de cinema, Monique Wittig as lesbianas não são mulheres. Pois, se recusam justamente entrar no binarismo hierárquico de dominação dos homens sobre as mulheres (vide Simone de Beauvoir). Mas, as movimentações feministas não recuaram diante das novas artimanhas dos poderes diluídos e até mesmo incorporados pelas mulheres. Exemplo disso foram as críticas as representações binaristas entre lesbianas e a reprodução dos pares que repetem a mesma desigualdade hierárquica retratada nos papéis sociais de mulheres e homens. As mulheres reduzidas ao sexo e os homens ao conhecimento e racionalidade.
Contra os domínios do racismo o feminismo negro na voz dos subúrbios reclama a presença das mulheres subalternizadas, duplamente oprimidas, escravizadas, usadas como máquina de trabalho para o senhor da sociedade patriarcal e colonialista. As feministas negras, que a exemplo de Sueli Carneiro, uma das criadoras do Geledés Instituto da Mulher Negra, pelejam contra essa dupla violência; o sexismo e o racismo.
E as agricultoras, as mulheres campesinas será que travam alguma batalha contra o patriarcado? No caso do Brasil é muito ilustrativa e poética a manifestação campesina. Retomemos o exemplo da Marcha das Margaridas, votada como a mais bela em uma edição da Marcha Mundial das Mulheres. As pequenas agricultoras são fortes no braço e garra de quem vai de sol a sol colher e plantar e colher e transformar e nutrir e saber do saber e dos sabores do verde e da terra. Elas denunciaram os casos de triplas jornadas de trabalho.
Vadias somos todas nós que lutamos por um mundo menos sexista, um mundo onde nossas narrativas não sejam apagadas dos textos escolares e da memória coletiva. Vadias somos nós que somos jovens ou não, de diferentes classes, etnias e orientações sexuais, que somos mães, esposas, filhas e companheiras.
Eis as mulheres feministas! São as esquecidas pela história oficial, apagadas nas artes, as ignoradas, as violadas... Vamos lhes dar voz e vez lendo, dialogando, denunciando, contando-nos umas com as outras e outros que são contra a violência sexista. Violência que mata milhares de jovens e crianças, que rapta suas vidas para a indústria da prostituição, para sustentar os cafetões que se esgueiram pelas esquinas. Violência que leva milhares de jovens para os cemitérios e para os hospitais. Ser feminista é lutar contra o sexismo, a violência patriarcal e a carnificina denunciada pelas Marchas.
Porque Marchamos? Porque queremos viver e ter os mesmo direitos sociais.
Á luta que as ruas, também, são nossas!!!
Somos todas Vadias!


* Excerto da fala apresentada na mesa: “Porque Marchamos”, pela Drª Patrícia Lessa em 05 de junho de 2012 para o evento de abertura das atividades da I Marcha das Vadias de Maringá

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