MARCHANDO CONTRA A VIOLÊNCIA E EXCLUSÃO*
Mulheres,
nós precisamos mudar as palavras! Criar nossas próprias narrativas! É preciso
que a memória coletiva das mulheres violentadas, seja de modo simbólico, físico ou ficcional, seja escrita para que não se
apague da história a grande catástrofe causada pelo patriarcado. Vamos criar
nossas próprias ficções, como propõe a bióloga feminista Donna Haraway.
Não
vamos ser reduzidas a carnes e pactuar do derramamento de outros sangues: das crianças,
idos@s e animais (para não esquecermos de Carol Adams). As narrativas feministas
no Brasil estão por serem contadas e reinventadas, pois, nos foram roubadas
algumas páginas de nossa história, como por exemplo, o desaparecimento das
obras de Maria Lacerda de Moura. Essa educadora, escritora e ativista feminista
teria desaparecido não fosse o esforço de algumas feministas como Margareth
Rago.
Teóricas
feministas brasileiras contemporâneas como Margareth Rago, Tânia Navarro-Swain,
Raquel Soihet escrevem e orientam teses, como a da companheira maringaense Célia
Selem, que escreveu sobre a filmografia feminista e feita por mulheres na América
Latina, lembrando a necessidade de empoderamento e de práticas propositivas
para as mulheres, seja no campo da Educação, da Ciência ou das Artes.
O
que mostram e o que narram, quais vozes nos parecem familiares nos filmes
recuperados pela tese da Célia Selem? Mesmo estando em locais diferentes com
idiomas distintos o que os filmes apresentam de semelhanças? As crianças
capturadas para a INDÚSTRIA da prostituição?
Vejam
os dois últimos livros de Beatriz Preciado: “Pornotopía, arquitectura y sexualidad em Plyboy” e “Testo Yonqui”. Ambos
dialogam com as teorias feministas para discutir o local do corpo feminino nas práticas
sociais. No primeiro, a emergência da indústria do sexo e suas mutações para
acompanhar o valor de mercado irmanado às práticas clandestinas de tráfico de
drogas e de corpo nas zonas fronteiriças. A violência contra as mulheres se faz
de modos sempre renovados, ressemantizados e com ares de negociação social.
A
violência física, reforçada pela violência verbal, como por exemplo, o insulto,
a injuria, a fixidez de uma identidade é o redemoinho que trouxe o Movimento Internacional
da Marcha das Vadias para o centro dos grandes movimentos urbanos por direitos
sociais. Um levante feminista, de mulheres e pessoas contra a violência sexista
com a dimensão das Marchas das Vadias significa que a violência está
acontecendo em grande escala, não fosse isso, não haveria por que protestar.
Vadia
é a reapropriação de um insulto. Guacira Lopes Louro, educadora feminista, diz
isso sobre a palavra queer, como
propõem as teorias sobre sexo, sexualidade e gênero e os movimentos LGBT. A
palavra vadia é usada para insultar as mulheres, principalmente quando estamos
em uma situação contrária aquela preconizada pela classe dos homens, vale
lembrar Gayle Rubin, ou ler a entrevista dela com Judith Butler. Tomar as
palavras para ironizar é o que Linda Hucheton nomeia de “Política da Ironia”.
Quantas
aqui já sofreram um tipo de violência física porque estavam em situação
socialmente construída para excluí-las do espaço social? Quantas andando pela
rua para cumprirem suas jornadas de estudo ou trabalho levaram uma mãozada na
bunda, nos peitos, na chana?
A
palavra chana, no Brasil ganhou dimensão política no período de lutas
anti-ditadura militar. Na década de 1980, uma das mais difíceis para quem era
uma lesbiana em São Paulo ou Rio de Janeiro, tinha uma ação policial chamada
Operação Sapatão. Daí um grupo muito ousado, de jovens feministas, algumas como
a militante anti-ditadura militar, a Roseli Roth, criaram o Grupo de Ação
Lésbico-Feminista - GALF que criou o Jornal e depois o Boletim “ChanaComChana”.
Essa
turma de jovens feministas era muito ousada para época, era linda e
revolucionária, criou um material que dialogava com as escritas e ativistas
feministas de vários locais do mundo. Então falar em “ChanaComChana” era uma
afronta para uma sociedade heteronormativa que ainda representa a lesbiana como
MULHER FEIA, solteirona, mulher que ninguém quer, sapatona, mulher-macho,
virada, virago e muitos outros Nomes dessa Coisa chamada LESBOFOBIA, de mais
essa mulher coisificada. Enfim, mais uma violência sexista gerada pela
incapacidade da sociedade heterormativa (termo wittiguiano) em aceitar a
existência de relações em que a presença de um homem seja insignificante ou
recusada.
Para
a feminista francesa, escritora e roteirista de cinema, Monique Wittig as
lesbianas não são mulheres. Pois, se recusam justamente entrar no binarismo
hierárquico de dominação dos homens sobre as mulheres (vide Simone de Beauvoir).
Mas, as movimentações feministas não recuaram diante das novas artimanhas dos
poderes diluídos e até mesmo incorporados pelas mulheres. Exemplo disso foram
as críticas as representações binaristas entre lesbianas e a reprodução dos
pares que repetem a mesma desigualdade hierárquica retratada nos papéis sociais
de mulheres e homens. As mulheres reduzidas ao sexo e os homens ao conhecimento
e racionalidade.
Contra
os domínios do racismo o feminismo negro na voz dos subúrbios reclama a
presença das mulheres subalternizadas, duplamente oprimidas, escravizadas,
usadas como máquina de trabalho para o senhor da sociedade patriarcal e
colonialista. As feministas negras, que a exemplo de Sueli Carneiro, uma das
criadoras do Geledés Instituto da Mulher Negra, pelejam contra essa dupla
violência; o sexismo e o racismo.
E
as agricultoras, as mulheres campesinas será que travam alguma batalha contra o
patriarcado? No caso do Brasil é muito ilustrativa e poética a manifestação
campesina. Retomemos o exemplo da Marcha das Margaridas, votada como a mais
bela em uma edição da Marcha Mundial das Mulheres. As pequenas agricultoras são
fortes no braço e garra de quem vai de sol a sol colher e plantar e colher e
transformar e nutrir e saber do saber e dos sabores do verde e da terra. Elas denunciaram
os casos de triplas jornadas de trabalho.
Vadias
somos todas nós que lutamos por um mundo menos sexista, um mundo onde nossas
narrativas não sejam apagadas dos textos escolares e da memória coletiva.
Vadias somos nós que somos jovens ou não, de diferentes classes, etnias e
orientações sexuais, que somos mães, esposas, filhas e companheiras.
Eis
as mulheres feministas! São as esquecidas pela história oficial, apagadas nas
artes, as ignoradas, as violadas... Vamos lhes dar voz e vez lendo, dialogando,
denunciando, contando-nos umas com as outras e outros que são contra a violência
sexista. Violência que mata milhares de jovens e crianças, que rapta suas vidas
para a indústria da prostituição, para sustentar os cafetões que se esgueiram
pelas esquinas. Violência que leva milhares de jovens para os cemitérios e para
os hospitais. Ser feminista é lutar contra o sexismo, a violência patriarcal e a
carnificina denunciada pelas Marchas.
Porque
Marchamos? Porque queremos viver e ter os mesmo direitos sociais.
Á
luta que as ruas, também, são nossas!!!
Somos
todas Vadias!
*
Excerto da fala apresentada na mesa: “Porque Marchamos”, pela Drª Patrícia
Lessa em 05 de junho de 2012 para o evento de abertura das atividades da I
Marcha das Vadias de Maringá.
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